O país ainda vivia uma ditadura, em 1976, quando um grupo de amigos de Nova Iguaçu decidiu importar um novo estilo de vida. Enquanto os jovens da Zona Sul carioca cantarolavam as músicas dos Doces Bárbaros nas areias de Ipanema, os surfistas do asfalto, sem litoral, criaram o próprio mar em praça pública.
— O skate surgiu pela falta de ondas nas praias. Isto nos Estados Unidos, mas aqui na Baixada nem temos mar — brinca o skatista China, apelido do designer Sérgio Pereira.
Na época, China era um jovem de 18 anos e não sabia ao certo o que estava fazendo. Ainda assim, usando a experiência das ladeiras da cidade, projetou uma das melhores pistas de skate do Rio de Janeiro. A primeira da América Latina e que, nestes 35 anos, virou ponto de referência para a cidade e para a vida de quatro gerações.
— Tudo foi feito com ingenuidade. Olhando para trás, eu até duvido de que tenha dado certo! Ninguém que trabalhou na construção e nem eu que projetei tínhamos visto coisa igual — explica China.
Na verdade, eles até tinham referências: algumas revistas que o grupo conseguia trazer para o Brasil, graças à amizade com comissários de bordo de uma companhia aérea que voava sempre para a América do Norte.
— Mas era um jogo de paciência. A gente esperava dois meses para chegar or uma revista. E era tudo que a gente tinha, além da vontade de fazer aquilo, de deslizar — revela Hotio, hoje o empresário da construção Luiz Carlos Mansur, de 51 anos.
Das fotos estáticas das revistas, os skatistas tinham que extrair cada detalhe das manobras.
— Era complicado, mas não era impossível para a gente. O skate ainda estava muito próximo do surf e as manobras também — relembra China.
O skate havia chegado à Baixada há cerca de três anos, através de moradores que tinham contato com a Zona Sul carioca. No início de 1976, o movimento pró-pista ganhou força graças a um grupo de jovens apaixonados pelas curvas. A pista foi concluída em dezembro do mesmo ano.
E foi assim, aos poucos, que a juventude da Baixada Fluminense foi descobrindo como moldar o concreto para alcançar a ondulação perfeita e surfar no asfalato. O objetivo era transferir do chão duro ao corpo as sensações provocadas pelas distantes ondas da Califórnia.
Uma pista que atravessa gerações
Deslizando suavemente, com o vento contra o rosto e experimentando uma sensação de liberdade. Assim segue a antiga geração de skatistas, que construiu pista inspirada no mar.
— E a cor azul não é coincidência. Ela foi construída no meio do momento surf, por pessoas que queriam essas sensações — explica André Viana, de 36 anos, presidente da Federação de Skateboard do Estado do Rio de Janeiro (Faserj).
China e, depois, Hotio são dessa geração, que invadiu os anos 1980. Já André viu as mudanças que impulsionaram o esporte na década seguinte e o prepararam para outra etapa.
Agora, nos anos 2000, o esporte é bem radical. Marcado mais pelas manobras que pelo vento no rosto, desafiando não a “água”, mas a gravidade nas pistas, que se inclinam até ficarem verticais.
— Ainda assim a pista é importante. É preciso saber agir como ela pede . As manobras nas pistas modernas ficam cada vez mais fáceis — recomenda o skatista Felipe Ribeiro, que começou no esporte em 2005.
Sempre renovada
Apesar do caráter histórico da pista, ela teve sua fase ruim. Entre 1998 e 2004 ficou em segundo plano para as modernas pistas da Via Light. Era hora de se renovar, mas sem macular as curvas naturais.
— As mudanças foram para permitir novas manobras, que não eram usuais na época. Como deslizar em corrimão, por exemplo — explica André.
Com a instalação de corrimão e outros obstáculos, a pista ganhou uma área de escape, operação tapa-buracos e nova pintura, já com o tom azul.
A praça que ganhou seu nome também foi reconstruída e ganhou um anfiteatro com rampas, fazendo do local um complexo para o skate, capaz de agradar tanto a antiga, quanto a nova geração da Baixada.
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